segunda-feira, 14 de junho de 2010

Todo fim de conto é previsível

Pra que me serve um negócio que não cessa de bater?

- Meu filho, na nossa família só há dois jeitos de morrer: do coração ou loucos.

A primeira vez que sentiu seu coração foi numa viagem de ônibus. O trajeto era curto, mas as obras na pista tornavam o trânsito lento. A pontada inicial, forte no lado esquerdo, foi precisa e rápida, mais parecia uma distensão muscular. Recuperou o fôlego e livrou-se da sensação de desconforto, mas no intervalo de segundos ela voltou, dessa vez, traiçoeira, pelas costas.

A verdade é que sabia muito pouco sobre sua família materna. Conhecia por alto a história de bêbados, viciados e frustrados. Pensar uma linhagem de duas gerações de casamento consangüíneos daquela maneira, mais do que um assustador presságio, era intrigante.

Não pôde deixar de se sentir comovido com as palavras da tia, que não era louca. A história lhe pareceu uma metáfora oportuna para sua própria vida. Identificou-se ao pensar naquelas pessoas com uma debilidade reconhecida de se aterem ao real e tão sensíveis à vida.

Por mais de uma vez tinha pensado na loucura e se imaginava desvairado. No entanto, quando de fato esteve frente a frente com insanidade, não a de seus pensamentos, mas a da amada, aquilo lhe pareceu insuportável. Não havia poesia. Era só a loucura, deixando aqueles olhos azuis cada vez mais vazios e opacos.


A medida que a dor crescia, sentia o inconformismo mais pesado. Sabia que seu músculo era saudável, mas a dor imaginária o seguia. Foi quando decidiu por um fim naquele tormento. Sem mais forças, despediu-se da mulher inconsciente, preparou uma mala de divorciado e retornou à casa da mãe. Pediu apenas para que ninguém voltasse a comentar nada da esposa e nem das lembranças de família.

Por dentro ria-se, com satisfação, sabendo que agora não morreria louco. Já não sofria de saudades, tinha retirado o coração numa cirurgia secreta, que fora realizada por seus médicos imaginários no caminho de volta para a casa familiar.

Estava satisfeito, viveria muito e agora sabia que também nunca mais sofreria por amor.


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